A decisão da presidente Dilma Rousseff de vetar nove pontos do novo Código Florestal que havia sido aprovado pelo Congresso federal provocou críticas entre membros da bancada ruralista no Congresso e organizações ambientais.
Nesta quinta-feira (18), o Diário Oficial da União publicou o veto do artigo 83, além de suspensões parciais feitas aos artigos 4º, 15º, 35º, 59º, 61º-A e 61º-B. O decreto esclarece ainda como vai funcionar o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR) e estabeleceu normas aos Programas de Regularização Ambiental (PRA).
O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), um dos líderes da bancada ruralista no Congresso, criticou o decreto de Dilma. Para ele, as exigências de reflorestamento da maneira como foram estipuladas pela presidente joga os produtores rurais do Brasil na irregularidade.
“Qual é a propriedade no país hoje que atende a lei? A lei não é aplicável. Produz um quadro de total ilegalidade, todos os produtores ficarão na condição de irregularidade. A lei impõe um custo ao produtor e não diz onde ele consegue renda para arcar com esse custo. Tempo para se adaptar à lei não é o problema, o problema é a renda”, afirmou Caiado.
Ele disse ser contrário também ao fato de a presidente ter emitido um decreto para suprir os vetos. “Legislar, criar lei por decreto, isso não existe em lugar nenhum do mundo. Então pra que serve o Congresso?”, questionou o deputado.
'Nova fase'
Já a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e também uma das líderes dos ruralistas no Congresso, concorda com os vetos da presidente. Segundo ela, não houve derrota para os ruralistas. “Temos o conteúdo principal, ganhos extraordinários. Os outros detalhes têm importância, mas são detalhes”, disse Katia.
A senadora disse ainda ter sido a favor do veto ao plantio de árvores frutíferas para recuperar áreas de preservação permanente degradadas, por temor de contaminação de rios por defensivos agrícolas. “Não existe fruticultura em larga escala sem uso de defensivos”.
Sobre o dispositivo que recomenda o reflorestamento de acordo com o tamanho da propriedade, conhecido como "escadinha", Katia Abreu afirma que a volta das medidas apresentadas na medida provisória da presidente não afetam os produtores rurais e prejudica o trabalho feito pela comissão mista do Congresso.
“Não vou ficar brigando por conta de 5 ou 10 metros [de recomposição de margens de rios]. O tempo dirá o que é realmente necessário”, explica. Ela complementa dizendo que foi um debate democrático, mas que não está 100% satisfeita como produtora rural.
“É claro que não estou [satisfeita como produtora], mas estou satisfeita como cidadã. Além disso, caiu a hegemonia das ONGs em cima do Ministério do Meio Ambiente e no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). (...) Esse paradigma de que só ONG opinava na questão ambiental ‘matava’ o produtor rural. Agora temos segurança jurídica. Será uma nova fase”, disse a senadora.
Benefício aos pequenos agricultores
O senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), relator da medida provisória do novo Código Florestal, afirmou que os vetos beneficiaram os pequenos produtores e agricultores familiares. “Tem de se ressaltar que a presidente deu um passo muito positivo em relação àqueles que mais deveriam ser protegidos, que são os pequenos agricultores e agricultores familiares. Estes foram alvo de grande proteção pela presidente”, afirmou o relator da matéria.
Segundo Luiz Henrique, as suspensões prestigiam o projeto feito pelo Senado, e posteriormente, modificado pela Câmara dos Deputados. “De um certo modo, os vetos da presidente são no sentido de prestigiar da votação feita aqui no Senado. Não temos de pensar em setores, em ruralistas e meioambientalistas. Temos de pensar no país. O projeto sancionado pela presidente mentem o equilíbrio entre produção e preservação”, disse o relator.
Decreto surpreendeu ONG
Para o especialista em políticas públicas Kenzo Jucá, da organização ambiental WWF Brasil, a notícia foi recebida com “muita surpresa” e vista como um ato inconstitucional, que poderia ser derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Um presidente da República não pode legislar por decreto, por mais que seja algo positivo. É preciso respeitar a Constituição, e o Executivo não pode assumir a posição do Legislativo. Isso compromete todo o conjunto da lei e todo o processo de reforma do Código”, diz.
Jucá afirma que os vetos de Dilma buscaram recompor a Medida Provisória original, que tinha um nível de proteção superior à alteração feita pelos parlamentares. Na opinião dele, algumas proibições foram favoráveis à conservação ambiental, ao proteger as matas ciliares em volta de rios e as nascentes intermitentes, que têm água apenas no período das chuvas. Apesar disso, a forma como a medida foi estabelecida não agradou ao especialista.
“O decreto deixa uma insegurança jurídica total, ao produtor e ao meio ambiente. Dessa forma, o Brasil fica sem Código Florestal e abre chance para um questionamento legal", revela. Uma equipe do Comitê Brasil, que reúne 200 entidades, deve analisar o conteúdo do texto de forma criteriosa para formular uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) e encaminhá-la ao STF.
“Agora vai ficar na mão do Judiciário. O jogo não acabou, estamos nos pênaltis. O STF é o juiz, e está com o apito na boca”, compara o especialista do WWF. Segundo ele, uma simples análise do Supremo já veria “fortes problemas” no decreto.
“A verdade é que o Legislativo e o Executivo não conseguiram formular uma boa lei ambiental para o Brasil. Na nossa opinião, não houve veto aos grandes desmatadores. Fico abismado como o governo consegue fazer um ato desses com um tema tão sensível”, afirma.
Greenpeace
A organização de defesa do meio ambiente Greenpeace também fez duras críticas ao decreto. De acordo com a assessora de políticas públicas da ONG, Renata de Camargo, a nova lei consolida um pensamento de proteção a áreas de baixa produtividade e alto índice de degradação, como a pecuária.
“Em vez de termos algo mais rigoroso, em que a preservação das florestas esteja no centro do problema, a lógica mudou e áreas desmatadas ilegalmente foram consolidadas. É como se tivessem falado: ‘Passa a régua, daqui para a frente a gente vê’”, afirma Renata, em referência ao que ela chama de "anistia" aos grandes desmatadores.
A assessora do Greenpeace acredita também que a questão vá agora para o STF e tribunais pelo país.
“Vai ter briga de vizinho, uma corrida de disputa de proprietários. Ficou parecendo que o crime compensa. E não há expectativas de que essa nova lei vá funcionar, principalmente com menos proteção”, diz.
Na opinião de Renata, o texto do novo Código não deveria ter ido para o Congresso como uma Medida Provisória, mas sido publicado por decreto antes disso.
“No Congresso, as forças são muito desequilibradas. Dois terços do Senado pertencem à bancada ruralista, então acabaria vindo uma lei desigual. O governo se livrou de um problema, mas gerou outro muito maior”, destaca.
O Greenpeace também divulgou uma nota, em que diz que a presidente, “com vetos parciais, consolida uma legislação que tem pouco de proteção e muito de devastação”. Marcio Astrini, da campanha Amazônia da ONG, afirmou que, apesar dos avisos de cientistas e da posição de diferentes setores da sociedade, o governo foi “omisso” e à vezes “conivente”, e “Dilma escolheu o caminho do retrocesso ruralista”.
O texto do Greenpeace informa ainda que, daqui para frente, o país deixa de ter uma das legislações florestais mais modernas do mundo para dar lugar a uma lei que atende aos interesses dos latifúndios e do agronegócio – que teria virado a questão central, em vez das florestas.
Para Astrini, “a agenda ruralista sempre foi clara. A diferença é que agora encontraram um governo disposto a barganhar com essa agenda”.
Fonte:G1